INTRODUÇÃO: O envenenamento por escorpião é um problema de saúde significativo, particularmente em regiões tropicais. O curso clínico pode variar desde achados locais leves a sistêmicos graves, com risco de vida. Os efeitos cardiovasculares e o edema agudo de pulmão são as complicações com maior mortalidade.
RELATO DE CASO: MGCC, 14 anos, sexo feminino, admitida no serviço de Emergência da Santa Casa de Piracicaba após picada de escorpião no segundo pododáctilo direito há 13 horas. A paciente apresentava-se torporosa e hipocorada, com queixa de náuseas e vômitos. Previamente asmática, sem uso regular de medicamentos. À aferição dos sinais vitais, pressão arterial 70x60 mmHg, frequência cardíaca 155 bpm, frequência respiratória 40 irpm e temperatura de 38,0°C. No exame segmentar, presença de turgência jugular e estertores crepitantes em ambas as bases pulmonares, bulhas cardíacas rítmicas e normofonéticas, extremidades frias e mal perfundidas. Em seguida, paciente evoluiu com piora clínica e hemodinâmica, com necessidade de intubação orotraqueal e uso de drogas vasoativas. O eletrocardiograma apresentava alterações difusas da repolarização ventricular. O ecocardiograma revelou câmaras cardíacas normais, disfunção sistólica moderada a acentuada do VE, com acinesia inferior e hipocinesia dos demais segmentos, e disfunção sistólica do ventrículo direito. Aumento sérico importante de troponina e NT-proBNP. Após estabilização clínica, a investigação cardiológica foi complementada com a ressonância nuclear magnética cardíaca, que evidenciou sinais compatíveis com miopericardite aguda e discreta fibrose lateral. Instituída terapia para insuficiência cardíaca, com inibidor da enzima conversora de angiotensina, antagonista mineralocorticoide e beta bloqueador, nas maiores doses toleradas. Novo ecocardiograma realizado no dia da alta hospitalar, após 14 dias de internação, revelou função contrátil sistólica e diastólica dos ventrículos preservada.
DISCUSSÃO: Os mecanismos pelos quais o veneno do escorpião provoca lesão miocárdica e disfunção sistólica ainda são objetos de grande controvérsia.Pensa-se que a miocardite por escorpião esteja associada à isquemia miocárdica, atividade catecolaminérgica aumentada e ao efeito direto da toxina nas fibrilas do miocárdio. Sua apresentação é caracterizada por um profundo e reversível envolvimento biventricular. O diagnóstico precoce através do exame clínico, laboratorial e de imagem é indispensável para uma conduta terapêutica adequada, reduzindo a fatalidade dos casos e contribuindo para a resolução completa do quadro.